abril 08, 2009

EM SEGREDO...

Todos nós guardamos uma história. Secreta.


Acredite: você, eu e um prêmio Nobel de Literatura.


Penso nisso quando termino as últimas páginas do livro Nas peles da cebola, de Günter Grass, pela Editora Record.


Depois de lançado, causou certo mal estar na praia dos intelectuais europeus.
Aqui, não desencantou nem a tal “marolinha” presidencial. Talvez algumas linhas nos suplementos culturais dos jornais, meia página nas revistas e, como do outro lado do Atlântico os americanos preferem navegar por entre os best-seller$, nem se deram ao trabalho de conferir.
Taí um segredo meu: implicância com os americanos.


A pele da cebola foi a metáfora encontrada por Günter Grass para narrar suas memórias: a cada descamada uma revelação, uma lembrança, um mergulho longínquo no abismo que é a vida que se deixou para trás. Importa esfoliar cada derme por mais ardida que seja, por mais lágrimas que provoque. Grass revela sua participação pífia na segunda guerra mundial. Sem culpa, jovem que era. Pífia, mas na Waffen-SS. E isso consternou alguns de seus leitores. Não eu, que só o conhecia pelas lentes de Volker Schlondorff, no filme O Tambor, aliás, um dos meus favoritos.


Encerrada a leitura do livro, a curiosidade por outras obras do autor, com personagens francamente inspirados em algumas pessoas que passaram pela vida de Grass. Se você gosta de biografias, de não-ficção, dos anos de guerra, encontrará uma boa leitura nesse livro de reminiscências, com tradução de Marcelo Backes:


“...uma ignorância afirmada e reafirmada não foi capaz de ocultar a minha compreensão
de estar inserido em um sistema que planejara, organizara e concretizara a aniquilação de milhões de pessoas. Mesmo que uma culpa ativa não me pudesse ser creditada,até hoje sobrou um resto não desgastado de algo, que é chamado de um modo demasiado corrente de co-responsabilidade. Viver com isso é certo que eu terei, nos anos que ainda me restam.”




Volver aos segredos. O seu.
Não se aflija. Você não é um Nobel. Na verdade, está mais para Big Brother...Com toda sua vida escancarada a cada vez que vai ao supermercado, as compras, ao clube. A cada vez que se reúne com as amigas e sua família. Ou não?

Ou quando você deita a cabeça no travesseiro, as dúvidas sobre seus atos e palavras, pairam como uma sombra plúmbea sobre sua cabeça? O homem e suas culpas insones.


Segredos: o que você roubou no seu emprego, a sua identidade sexual, a puxada de tapete com o colega, o sofrimento por abuso, o anel que comprou para a “outra”...
Segredos traiçoeiros não permitem paz de espírito. Segredos são fantasmas que nos espreitam em outros rostos, nas esquinas da cidade, nas telas do cinema. Cada um traz consigo uma imagem de “segredo”. Existem aqueles que trancafiam os seus tão bem, que nem o divã liberta.

Segredos, quando divididos se perdem. Cuidado com o amigo, que um dia pode se tornar inimigo, alguém sussurou...
Em 1950, a princesa Maria Bonaparte, amiga de Freud, revelou ao mundo alguns dos segredos do pai da Psicanálise, inclusive sua tirania, permitindo a publicação de parte da correspondência íntima trocada entre Freud e seu camarada, o otorrinolaringologista Wilhelm Fliess, ambos na disputa pela paternidade do complexo edipiano.
Segredo? Penso em Günter Grass e quão penoso foi descascar a cebola de sua vida e desvendar sua participação no holocausto judeu.

Agora, ele pode tocar sua vida adiante.
Agora, sem culpa. Agora, em paz consigo.




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