VILA MARÍLIA: CRUZ ALTA
1928. Casa de meus avós em Cruz Alta.
Enquanto gravida, muros altos que mulher decente não exibe barriga.
Depois do nascimento da filha, a casa ganhou o nome de Vila Marília.
Só então o muro foi derrubado
e um chafariz construído em frente ao jardim.
Na revolução de 1923, João foi credenciado pela Cruz Vermelha.
Atendia os feridos em combate com (2) Porciúncula e
(3) dr. Euclides da Cunha Lopes.
Nos anos 50, uma reforma para construir um jardim de inverno, com persianas coloridas.
Nos fundos, uma quadra de vôlei. A garage.
Depois da cerca amarela coberta poi hibiscos vermelho,
o quintal mágico da minha infância.
Parreira, jabuticabeira, abacateiros: guerra de fruta podre.
Taquareiras, trincheiras de ananas.
No Jatobá, um escorregador. Balanços e gangorra.
Casa de boneca de alvenaria.
Ao lado, fogãozinho de pedra, com chaminé.
Para os meninos, uma tapera de taquara
e milho assado no fogo de chão.
Em 1972 meus avós venderam a casa e se mudaram para o Rio.
Fugiam do frio e da nossa adolescência rebelde.
A primeira providência dos novos proprietários: destruir o jardim,
cortar o caramanchão de rosas e acimentar as hortênsias.
Depois a casa foi revendida para um político
de pensamento mais raso ainda.
Agora uma construtora vai botar tudo abaixo.
Resta saber se vão derrubar também o Jatobá centenário...
Desconstruiu-se uma época. Cruz Alta não existe mais.
O vento soprou sobre o tempo.
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