Não
se preocupe com os outros, querida. O mundo tá cheio de outros – no filme “Mãos
talentosas”. Aos 66 anos meus cabelos começaram a fugir. A toda hora um fio
escapa e cai na roupa, no chão, na comida. Sempre tive uma boa cabeleira, fios
grossos, ondulados. Agora brancos, nem se despedem. Sentem- se livres para
abandonar meu corpo, essa prisão. No espelho, a Outra me devolve o olhar
triste como uma bergamota mofada na fruteira entre tantas outras sadias. As pessoas
não falam sobre envelhecer. Só dizem q é uma merda e continuam a vivência como se houvesse um alegre amanhã.
Mas o amanhã é solitário. Corpos se empilham nos quartos das casilos. O que é
isso - ele me pergunta. Uma casa-asilo. Não
diz assim. Casa geriátrica é horrível também – respondo. Em uma dessas casilos
aqui no meu bairro, empilham três mulheres e um homem num quarto. Não
respeitam nem o gênero. Tenho muito medo q isso possa me acontecer. Quem fiscaliza as casilos? Os amigos dos donos. Ontem,
alguém reclamou da dor lombar. Eu também. Faz calor úmido com bolsa de água
quente, recomendo. Dor no joelho, no pescoço e no punho. Jogo a bergamota podre
no lixo. Lavo as mãos e saio. Da minha casa até a beira da BR 386 são menos de três quadras. Olho para ambos os horizontes, esquerda e
direita, não vejo esperança. Aguardo um Scania para me libertar.

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